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Bicho

Page history last edited by Inpi 12 years, 7 months ago

 

Bicho, um cão vadio

 

 

 
 

         

      O bicho era um cão vadio, cor de canela e com focinho preto. Tinha o pelo curto e era de tamanho médio, apesar de, por estar bastante magro, parecer mais pequeno. Aparecera na obra quatro meses antes, num dia de chuva e de vento, tiritando de frio e morto de fome.

     Como era um animal simpático, ganhou a amizade dos operários, que lhe davam as sobras das suas sanduíches do meio da manhã e lhe permitiam dormir no edifício em construção, aquecido pelo braseiro do vigilante. Os operários tinham começado por chamar-lhe Bicho e Bicho ficou. O animal ia e vinha, e às vezes desaparecia uma par de dias, mas regressava sempre à obra, como se a considerasse a sua própria casa. O mal era que o prédio estava quase a ser acabado; em breve os operários iriam embora, e o cão, ao perder o seu abrigo, teria de tratar da vida noutro lugar.

     E isto era terrível, porque Gabi adorava o Bicho. Sempre tinha gostado de cães apesar de nunca a terem deixado ter um. Mas o Bicho era como se fosse seu. Gabi começara a levar-lhe as sobras das refeições de sua casa, e logo se tornaram amigos. Pouco tempo depois, o animal seguia-a fielmente nas suas deambulações pelo bairro e comportava-se em tudo como se ela fosse a sua dona. Era um cão muito afetuoso e educado, mas tinha um defeito: era muito rufião e quezilento com os outros cães, e não podia ver passar um macho sem o desafiar. Apesar de magro, o Bicho era ágil e musculado, e era tão seguro de si mesmo que se atrevia a engalfinhar-se com cães muito mais corpulentos. Eram umas lutas terríveis, que horrorizavam Gabi e a punham fora de si, mas, por muito que falasse com o Bicho, não conseguia que ele perdesse aquele vício. Por vezes, depois de uma daquelas escapadelas de uma ou duas noites, em que ia procurar namorada, o Bicho regressava cheio de feridas de uma luta especialmente dura; e deixava, docilmente, que Gabi lhe tratasse a orelha rasgada ou o pescoço mordido, ficando muito quieto e fazendo uma expressão de arrependimento e de vergonha.

 

Rosa Montero, O Ninho dos Sonhos, Ed. Asa

 

 

 

Vasco Graça Moura, As Botas do Sargento, Ed. Quetzal

(Adaptado)

 

 

    

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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