A Casa da Tia Noémia
- Chegámos! – Disse a mãe.
- É aqui? – Perguntou a Joana. – Que estranho, parecia maior…
- É natural. A última vez que viemos à Parede, já foi há uns anos.
- E quando somos mais pequenos, tudo nos parece maior.
Lá estava a casa da tia Noémia. Era uma pequena casa com dois andares e umas águas-furtadas, pintada de um rosa-velho, já desbotado. As portadas das janelas em tom verde-escuro estavam partidas e algumas “presas por um fio”.
Nos beirais, vasos de sardinheiras murchas tentavam dar um ar da sua graça. Em redor da casa, estendia-se um gradeamento verde-escuro, descascado e enferrujado, com dois portões: um para o jardim e outro para a garagem. Porém, neste desmazelo, duas coisas sobressaíam pela sua solidez: a porta de entrada e um enorme e majestoso jacarandá.
- Que casa tão velha! - disse o Miguelinho. – É aqui que vamos passar o tempo todo das férias da Páscoa?
- Vá Miguelinho, não comeces com coisas. A tia Noémia está muito contente com a vossa vinda. Podem passar aqui uns bons momentos. Têm espaço cá fora para brincar, podem andar de bicicleta, brincar no sótão…
- Oh, não vou ter aqui os meus amigos para brincar! – Ripostou o Miguelinho, cruzando os braços amuado. E virando-se para Joana, com os olhos muito abertos – Achas que tem fantasmas?
- A Joana franziu os olhos, arreganhou os dentes e com uma voz maliciosa sussurrou:
- Se calhar, Miguelinho, se calhar… E durante a noite, quando menos esperas, vêm aí…
- Então, Joana! – Interrompeu a mãe. – O que é que nós combinámos? Tens de tomar conta do teu irmão. Vá, vá, saiam do carro. A tia já aí vem.
Do portão do jardim surgiu então a tia Noémia, com a sua figura alta e robusta, de cabelo grisalho e preso num carrapito mal amanhado. Apesar do seu ar decidido, avançou com hesitação, com um sorriso aberto, porém algo receoso. O seu olhar era duro, no entanto, pressentia-se o brilho da ternura de outros tempos.
Vinha com um vestido desengonçado, fora de moda, e toda a sua aparência desarrumada terminava nuns sapatos deformados que atacavam o chão de forma despreocupada. Enfim, era uma mulher forte, com carácter, mas a quem o tempo parecia agora indiferente… como se já não se preocupasse com as coisas da vida.
Uma pequena pausa tomou a Joana e o Miguelinho, perplexos mais uma vez perante aquela figura que só costumavam ver uma vez por ano, por altura do Natal.
Isabel Novais e Maria Monteiro, As Estranhas Cartas de um Músico,
Ed. Kual
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